Continuando com os fatores principais que originaram a crise na Venezuela, precisamos falar da implementação do Controle de Câmbio.
Como assim? Vou te contar...
Por definição o Controle de Câmbio é um sistema político-econômico que regula a entrada e saída de capital de um determinado país, também monitora e administra a importação e exportação de matérias-primas e produtos, estabelecendo uma hierarquia no campo aduaneiro (1). Também pode-se falar de Política Cambial, para fazer referência à tentativa das autoridades monetárias em controlar as entradas e saídas de moeda estrangeira de um pais com o intuito de adequar a taxa de câmbio ao momento econômico da economia nacional (2).
E por que foi aplicado isso na Venezuela?
No meu artigo anterior (link abaixo), dei uma breve pincelada de uma situação que aconteceu em 2002.
Nesse ano, a Venezuela viveu uma greve da indústria petroleira e em consequência uma significativa crise política visto que a greve demandava a saída do então presidente Hugo Chavez.
A greve demorou 2 meses, gerando uma severa paralisação no país. Como consequência, uma das medidas que o Chávez tomou foi a demissão da Diretoria e boa parte dos trabalhadores (mais de 25 mil) da empresa petroleira estatal PDVSA (que seria o equivalente à Petrobras aqui no Brasil) (3)
Esta medida gerou a uma perda dos profissionais mais qualificados da empresa petroleira (chamamos de "desprofesionalización") e uma forte intervenção da industria que como podem ver no meu post citado acima, reduziu significativamente a produção petroleira.
Paralelo a isso, foi implementado o controle de câmbio (4), com o intuito de “evitar a fuga de capitais” e "reduzir a inflação" (5) e, para a implementação do controle, foi criado o órgão CADIVI (6). Iniciando com uma taxa de câmbio de 1$ = 1600 Bolívares (moeda da Venezuela na época) (7).
Com este controle, se uma pessoa queria viajar fora do país, precisava passar pela aprovação deste órgão, seguindo um processo que era bastante burocrático e adicionalmente limitado, com base ao que foi chamado de "cupo viajero" (vaga para viagem).
Com o passar do tempo, este dólar “limitado” (chamado de "dólar preferencial" ou "cupo viajero") começou a ser comercializado no mercado negro (era chamado de "dólar paralelo") e isto, junto com o excesso de liquidez monetária, favoreceu a inflação e desvalorização da moeda (8).
Em 2007 veio uma grande solução! aconteceu a primeira "Reconversion monetaria" (mudança do valor da moeda, eliminando 3 zeros) (9).
Com o tempo, alguns sites começaram a publicar o preço deste "dólar paralelo", que cada vez ficava mais distante da taxa oficial do governo. O que fazia o governo? atacava os sites que publicavam a taxa do "dólar paralelo" como se essa fosse a raiz do problema! (10).
Em 2010, o câmbio para a importação de medicamentos, alimentos e educação, era 1$ = 4,3 Bolívares Fortes (4300 Bolívares antes da “reconversão”) e foi definida uma classificação do "cupo viajero" segundo o destino da viagem. Ou seja, você solicitava uma aprovação para utilizar o seu cartão numa viagem ao exterior, e o montante aprovado dependia do destino e a duração da viagem.
Como puderam ver na infográfico acima referente à "Reconversão monetária", as medidas implementadas pelo governo não melhoraram a economia nem conseguiram fortalecer a moeda, pelo contrário, a situação foi piorando gradativamente até que, em 2018, aconteceu mais uma reconversão, chamada de “Novo Cono Monetário”, reduzindo 5 zeros do Bolívar Forte (ao qual já tinham reduzido 3 zeros), passando a se chamar de Bolívar Soberano.
Em conclusão, no decorrer do tempo o sistema de câmbio mudou diversas vezes, modificando o funcionamento, o valor, o nome... sem sucesso. O sistema não conseguiu controlar a fuga de capitais e sim acabou gerando uma fonte de comercialização informal e uma série de mecanismos de corrupção sem precedentes onde estiveram envolvidos militares e altos funcionários do governo (11).
O governo chavista ainda tentou aplicar as medidas de "reconversão monetária" para disfarçar a situação.
Para que consigam ter uma ideia do desastre, o câmbio ao dia de hoje (18 de maio de 2020) é 1$ = 183 Mil Bolívares Soberanos (quando publiquei esta informação no meu instagram, há uns 8 meses o valor era = 19,2 Mil Bolívares soberanos. Os 183 Mil que vale o dólar hoje equivalem a 18,3 Milhões de Bolívares Fortes e 18,3 Bilhões de Bolívares (a moeda com a qual iniciou o governo do Chávez).
Parece um trava-línguas mas espero que consigam entender um pouco melhor (realmente é difícil até para a gente de assimilar).
O gráfico abaixo está atualizado até setembro do ano passado (eu fui montando com base na taxa que utilizava para enviar dinheiro à minha família). Podem ver que em poucos meses, depois da nova reconversão monetária, o crescimento da taxa de câmbio foi exponencial.
A situação hoje na Venezuela é a cada vez mais crítica. No infográfico sobre a "reconversão monetária" mostro que o salario mínimo em 2017 era de aproximadamente 40 mil BsF (0,4 BsS - Bolívares Soberanos, moeda vigente hoje) Já para 2020, o salario mínimo vigente em janeiro era de 250.000 BsS (12), que são (considerando a taxa de câmbio = 183.000 BsS) menos de 2$ ao mês.
Vocês imaginam o que consegue comprar uma família com 2$???
Adicionalmente, devido à grande dificuldade que existia para a realização de operações de compra e venda (terei que explicar isso num próximo post), acabou virando normal o uso da moeda americana. Atualmente é comum vermos muitos produtos e serviços sendo comercializados em dólares, só que ainda existe uma grande parcela da população sem acesso a este tipo de moeda, situação que está aumentando ainda mais a fome e a dificuldade para as pessoas se sustentarem (13).
Recentemente o real tem sofrido também uma significativa desvalorização, mas é a moeda mais desvalorizada do mundo? Entenda neste artigo.
Fontes:
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