Desapropriações: A política do empoderamento do povo?



Imagem do Ilustrador Venezuelano: Edo Ilustrado.


Continuo por aqui falando das causas que desencadearam a situação atual da Venezuela. Essa crise tão difícil de entender por se tratar de um país "tão rico" (como muitos brasileiros me falam).

O governo venezuelano tenta justificar a crise, seguindo a estratégia cubana, atribuindo o problema ao que eles chamam de "guerra econômica" do setor privado e mais recentemente às sanções dos EUA ou o mal chamado "bloqueio" (deixo a seguir os links de outros artigos onde falo em detalhe sobre as sanções e a relação com a crise venezuelana):

https://www.venezuelananobrasil.com/2020/05/crise-da-gasolina-no-pais-que-tem-maior.html

Na realidade, a crise venezuelana iniciou-se muito antes das medidas implementadas pelos EUA e uma das principais causas foi a política de desapropriações que o governo do falecido Hugo Chávez implementou.

Caso você não saiba o que é uma desapropriação, segundo a definição da Oxford Languages, é a cessão ao domínio público, compulsória e mediante justa indenização, de propriedade pertencente a um particular.

No caso venezuelano, na maioria dos casos, nem poderia se falar em desapropriação e sim em roubo visto que a indenização não aconteceu.

Segundo cifras do Instituto Nacional de Estatísticas da Venezuela, em 2008 se registravam um pouco mais de 800.000 empresas na Venezuela (diversos setores e tamanhos) (1).

Vejam na figura abaixo, do blog "La Información", só uma amostra de algumas das empresas que foram desapropriadas ou fechadas durante o governo do Chávez/Maduro (2).


Desapropriações/fechamento de empresas na Venezuela - causas da crise
Mais de 4.999 empresas fechadas
Mais de 205.000 estabelecimentos fechados
Maduro, onde estão os produtos das empresas desapropriadas?


Um caso emblemático destas desapropriações, foi o da empresa "Agroisleña", de origem espanhol, que produzia grãos e produtos para os agricultores (adubos e fertilizantes). Uma vez que passou às mãos do governo (trocaram o nome para "Agropatria"), a produção foi diminuindo, até que os produtos práticamente sumiram, situação que afetou significativamente a produção agrícola do país (3).

Da mesma maneira aconteceu com bancos (grupo Santander), hotéis (Rede Hilton), café (Fama de América), cimento (Holcim), companhias de serviços (CANTV, Electricidad de Caracas) supermercados (Exito, Cada), entre outros... 

O chavismo tomou o controle de grande parte das empresas do país, enchendo a folha de pagamento do Estado, com funcionários que não faziam nenhuma ideia de como administrar estas empresas.

Isto não é uma história que me contaram. Eu pessoalmente visitei empresas deste tipo, devido ao meu trabalho, evidenciando o total desconhecimento dos funcionários.

Em boa parte dos casos, o governo "entregava" o controle das empresas desapropriadas aos operadores da linha de produção, no intuito de "empoderar o povo". Só que estas pessoas,tinham experiência nas suas funções da parte produtiva da empresa porém, não conheciam das funções administrativas, como por exemplo: fazer uma cotação, desenvolver um produto, acompanhar a gestão do desenvolvimento, implementação e controle de sistemas de qualidade, etc.

Ampliando a informação, em 2017, a Presidenta do Conselho de Comércio da Venezuela, Maria Carolina Uzcátegui, declarou que não chegávamos no país a 270.000 companhias ativas. Tem se perdido 500.000 empresas (1)

O setor industrial tem testemunhado o fechamento de muitas fábricas, por quebra, paralisação de atividades ou aquelas que caíram nas mãos do governo através das desapropriações. De 12.700 indústrias privadas que existiam quando o Chávez assumiu o poder, existem hoje aproximadamente 4.000, segundo Conindustria. Este organismo também informa que entre 2002 e 2016 o governo venezuelano desapropriou 692 empresas privadas (1)

Fechamento e desapropriação de empresas na Venezuela - causa da crise


O economista Asdrúbal Oliveiros (@aroliveros no twiter e instagram) calcula que a dívida com estas companhias chega ao valor de US$ 15 bilhões. Muitas delas estão ainda hoje solicitando indenização na Justiça (1).

Só como exemplo, recentemente, em 2019, o CIADI (Centro Internacional para a Solução de Controvérsias sobre Investimentos) determinou que o governo do Nicolás Maduro devia pagar 8 bilhões de dólares à Conoco Philips, como indemnização por ativos petroleiros desapropriados em 2017 (4).

Um informe elaborado por Cedice Libertad (5) e as Universidades venezuelanas Monteávila e Católica Andrés Bello, revelou que as "aquisições forçadas" decretadas pelo governo venezuelano, e reportadas em "Gaceta Oficial" (Equivalente ao Diario Oficial da União, no Brasil) chegaram a 113 entre os anos 2000 e 2015. Destas , 38 (34%) se registraram em 2010 e 40 (35%) em 2011. Porém, de maneira extraoficial o advogado Ramón Escovar refere que o total de expropriações nas últimas duas décadas, chega em 5.500 empresas, entre nacionais e estrangeiras. 

O especialista compara a cifra venezuelana com a de Cuba, informando que com a chegada do Fidel Castro ao poder, em 1959, umas 5.913 empresas americanas foram desapropriadas pelo regime cubano, até 2015, as companhias mantinham uma demanda que chegava em 7 bilhões de dólares (6).

Em referencia ao setor agrícola, a especialista do Observatório para os Direitos da Propriedade, Ana Carrasqueiro sinalizou que a política "desapropriadora" é uma das responsáveis da queda, registrada desde 2007. Numa "guerra contra o latifúndio", o governo desapropriou mais de 5 milhões de hectares (dados de Fedeagro), porém, acabou sendo uma "fraude" porque "as terras foram entregues aos caipiras, sem nenhum tipo de ajuda, como financiamento, capacitação, assistência técnica ou insumos. Agora não produzem nada!" (7).

Num outro exemplo desta política falida, com o controle de mais de 18 fábricas, o 52% da produção de farinha de milho, produto primordial na cesta básica dos venezuelanos (utilizada para a elaboração de arepas) é controlada pelo Estado venezuelano. Quando o Maduro assumiu a Presidencia, existiam no mercado umas onze marcas diferentes: P.A.N, Demasa, Juana, Ricamasa, Doña Emilia, Lucharepa, Maizkel, Suave Masa, entre outras... Ao dia de hoje, praticamente a única que se encontra nos supermercados e mercearias é a marca P.A.N, produzida pela empresa Alimentos Polar (8).



Em fim... poderia ficar aqui horas elencando exemplos desta política que acabou com a produção interna do país e que é uma das principais causas do desabastecimento no país. A absorção por parte do estado desta grande quantidade de empresas e fazendas, levou ao país a produzir cada vez menos e depender ainda mais das importações. 

Hoje, a grande revolução chavista, o "Socialismo do Século XXI", tenta suprir as necessidades do povo com a distribuição de cestas básicas ("cajas CLAP"). Os canais de distribuição do governo já mudaram de nome várias vezes. As cestas distribuídas só contém alguns produtos (quase todos importados) que ajudam aos mais pobres a se sustentar; porém, como resultado da grande corrupção do sistema, na grande maioria, são controladas por pequenos grupos que as comercializam ou as utilizam para comprar a consciência da população mais carente. 

Segundo diversas investigações (9), a importação destes produtos para as cestas básicas CLAP, se tornou uma operação conveniente para o Maduro, não porque ajudassem a saciar as necessidades do povo, mas porque estas compras internacionais se converteram num instrumento para receber dinheiro ilícito, principalmente como um meio para sortear a falta de divisas gerada pelas sanções dos EUA.

A maioria destes alimentos importados viriam de países como Turquia, China e México, e todo indica que quem estaria por trás deste negócio milionário seria o principal testa-de-ferro do Nicolás Maduro, Alex Saab, recentemente detido em Cabo Verde (10) e que coloca em sério risco ao Governo do Maduro (10)

Fontes:

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