Uma das coisas que mais tem chamado a minha atenção neste tempo que tenho fora da Venezuela é como tem mudado o comportamento e o otimismo que era comum nos venezuelanos. Depois que eu mudei para o Brasil, quando eu ligava para a minha família ou falava com algum amigo, a resposta para a pergunta "cómo você está?" era "tudo bem!", agora é cada vez mais comum ouvir: "bom, aqui... nesta situação"
Durante a primeira década de 2000 o país ainda se encontrava encabeçando os índices globais de felicidade. O site de noticias Quartz lembra que no ano 2012, os venezuelanos votaram para ficar no 5º lugar no ranking global de felicidade recolhido pela firma Gallup. Em 2013, já caia para a posição 20 (de 156 países) incluídos no Reporte anual de Felicidade Mundial das Nações Unidas, que fazia a seleção considerando parâmetros como saúde, expectativa de vida e corrupção.
A Venezuela é um número vermelho, com uma das maiores inflações da história da economia, uma contração sem precedentes, um dos êxodos mais importantes da região e a pior segurança alimentar.
Um estudo apresentado pelo Observatório da Violência da Venezuela mostra como nos últimos cinco anos o país também atingiu as maiores taxas de suicídio em 80 anos de registros. Os dados oferecem, segundo os pesquisadores, uma dimensão do impacto que está tendo a prolongada crise humanitária no país.
“Nunca vimos índices de suicídio como os de 2015”, diz o geógrafo responsável pelo estudo, Gustavo Páez, que estudou o fenômeno em Mérida, cidade montanhosa dos Andes onde é registrado historicamente a maioria dos suicídios na Venezuela. Em 2018, 9.7 em cada 100.000 venezuelanos se mataram, muitas vezes em meio a um quadro depressivo.
Nos países com figuras vermelhas, as estatísticas são confusas. Este estudo utilizou os anuários de mortalidade do país disponíveis de 1936 a 2014. Nos quatro anos seguintes, foi feita uma compilação de resenhas da imprensa regional, que foi comparada com informações sobre mortes locais e indicadores da Organização Mundial de Saúde (OMS). O resultado é uma aproximação da evolução histórica da taxa de suicídio de um país que até 2015 estava entre as mais baixas do mundo. Entre 2010 e 2015 a taxa aumentou 81%, de 2015 a 2018 o aumento foi de 155%, chegando a 9,7 por 100 mil habitantes, agora muito próxima da média mundial de 10,5. Em números absolutos, passou de 1.143 suicídios em 2015 para 2.889 três anos depois.
“Desde 2015 e, pelo menos até 2018, de acordo com os resultados desta pesquisa, tem havido uma tendência de aumento que aproxima o valor da média mundial e, inclusive, se essa propensão continuar, poderia superá-la, pois o índice dobrou nesse período e no máximo poderia ter triplicado”, alerta o estudo.
Observar a evolução histórica das taxas de suicídio também pode ser uma descoberta. Em 80 anos, houve apenas três picos: entre 1954 e 1960, período de boom econômico, mas de ditadura; depois, entre 1965 e 1972, quando a democracia deu seus primeiros passos em meio à insurgência guerrilheira. Em ambos os períodos, a taxa não ultrapassou 7 suicídios por 100.000 habitantes. A Venezuela estaria agora passando por seu terceiro pico.
Embora as motivações de um suicida sejam um tanto difíceis de determinar, Páez sinaliza que o aumento recente estaria associado ao agravamento da crise na Venezuela, caracterizada por aumento da pobreza, insegurança alimentar, aumento do risco de morte e retrocesso na sobrevivência. Esta tese pode ser corroborada com entrevistas com psiquiatras, profissionais de saúde e familiares das vítimas, que compõem o segmento qualitativo do extenso estudo. "Esses são os fatores que devem ter atuado como gatilhos para os sentimentos negativos que levaram muitos venezuelanos a tomar a infeliz decisão de tirar suas próprias vidas."
A OMS também reporta, segundo o jornal Radio Television Marti, que a Venezuela lidera o ranking de suicídios da América Latina.
O jornal Panampost entrevistou ao Luis Francisco Cabezas, director general de la ONG Convite, quem alerta que a população com transtornos mentais são as mais propensas a tomar a decisão de tirar a própria vida, e dos 12 fármacos usualmente receitados para atender esta condição, só 3 estão disponíveis na Venezuela.
"Começam a baixar as doses e a esticar a caixinha de pílulas, só que estas medicamentos não funcionam desta forma. A redução da dose é uma das causas para que as pessoas comecem a pensar nas ideias de suicídio", explicou.
O jornal também faz uma comparação com a Cuba, sinalizando que naquele país, por conta das precariedades, o suicídio passou de ser um tema tabu a uma especie de tradição, com uma taxa de 19,3 pessoas por cada 100.000 habitantes. Nos últimos 5 anos, 10 mil pessoas tiraram a própria vida.
E agora na pandemia?
Os pesquisadores do estudo citado acima (do Observatório Venezuelano da Violência) também apresentaram a contagem de suicídios nos primeiros seis meses de 2020, a partir das mesmas fontes jornalísticas e informantes com acesso aos registros de óbitos. Os resultados mostram que 94 venezuelanos suicidaram-se entre o 1º de janeiro e 29 de junho. Entre abril e maio, no início da quarentena do coronavírus, eles mais que dobraram. Adolescentes entre 12 e 17 anos e adultos entre 30 e 65 anos representam o maior grupo. As principais causas que podem estar associadas aos casos são a crise atual no país, transtornos depressivos e problemas afetivos ou de relacionamento, segundo o Observatório Venezuelano da Violência. “A depressão e a ansiedade, desencadeadas pela crise atual, são apontadas como as principais causas em metade dos casos”, diz o relatório da pesquisa.
A psicóloga social Yorelis Acosta desenvolveu uma linha de pesquisa no Centro de Estudos de Desenvolvimento da Universidade Central da Venezuela para cruzar o aumento dos suicídios e as crises econômicas. “Está comprovado que em contextos de recessão econômica ocorrem danos psicossociais e aumentam os suicídios. Vamos pensar na quantidade de pessoas que perderam o emprego, esse é um fator de risco ao qual se somam os ambientes de violência social e política que vivenciam”.
Em sua opinião, as emoções negativas de tristeza, tédio e pânico coletivo que levam a comportamentos irracionais transformam os lares em panelas de pressão durante o confinamento. “Estamos desesperados em casa”, acrescenta a pesquisadora que trabalha o conceito de emoções da crise.
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